Em 1893, Albert Robida publicou “Le Vingtième Siècle. La vie électrique”, imaginando a França de 1952. Entre aviões voadores e guerras biológicas, previu algo extraordinário: redes sociais virtuais através do “telephonoscope”. Demorou 130 anos, mas ele tinha razão.
Há um momento peculiar no romance futurista de Albert Robida em que toda a rede de distribuição eléctrica da Europa colapsa durante uma tempestade. Os “telephonoscopes” — aparelhos que combinavam telefone, televisão e videoconferência — começam a transmitir comunicações aleatórias, cruzando vidas que nunca deveriam ter-se encontrado.
Foi assim, por acidente meteorológico, que Georges Lorris, jovem engenheiro parisiense, apareceu no ecrã de Estelle Lacombe, estudante de engenharia isolada numa estação de faróis alpinos a mil metros de altitude. Ela estava aterrorizada com a tempestade, sozinha. Ele tentou acalmá-la. Começaram a conversar. Apaixonaram-se.
Em 1893, Albert Robida imaginou isto. Chamou-lhe “Le Vingtième Siècle. La vie électrique” — o século vinte, a vida eléctrica. Era a sua projecção da sociedade francesa no ano de 1952.
O Laboratório Civilizacional do Século XIX
Robida não estava sozinho nestas especulações. O século XIX foi um laboratório fértil de utopias tecnológicas. Júlio Verne (1828–1905) ganhou a fama duradoura com submarinos e viagens à Lua. Mas havia outros visionários menos conhecidos que, a seu modo, tentaram decifrar o futuro.


Albert Robida (1848–1926), ilustrador francês de considerável talento, dedicou-se à “ficção especulativa” — o termo que usamos hoje para descrever estas tentativas de imaginar mundos alternativos. Ao contrário de Verne, que se focava em aventuras extraordinárias, Robida interessava-se pelo quotidiano: como viveriam as pessoas comuns no futuro? Como trabalhariam, comunicariam, amariam?
A resposta, para Robida, começava com a electricidade.
A Vida Eléctrica de 1952
Na visão de Robida, tudo dependia da electricidade. Os “aérocabs” — táxis voadores — cruzavam os céus de Paris guiados por faróis. Os “tubos” — proto-hyperloops — ligavam as principais cidades europeias a velocidades fabulosas. O deserto do Saara, fertilizado por sistemas eléctricos, florescia.
Mas a aplicação mais notável da electricidade estava no “telephonoscope”.
Este aparelho multifacetado combinava as invenções recentes do telefone (1876) e do fonógrafo (1877), acrescentando-lhes transmissão de imagem. Permitia videoconferências, ensino à distância, comércio remoto. As pessoas podiam “visitar-se” sem sair de casa, assistir a espectáculos transmitidos em directo, fazer compras vendo os produtos no ecrã.
Robida imaginou, essencialmente, o Zoom, o YouTube e o comércio electrónico. Em 1893.
O Romance Acidental
Voltemos a Georges e Estelle. A história deles ilustra como Robida compreendia que a tecnologia não existe no vácuo — existe nas vidas humanas, com as suas casualidades e complicações.
Georges Lorris era filho de Philox Lorris, cientista célebre. Vivia em Paris, trabalhava no laboratório do pai. Estelle Lacombe vivia em Lauterbrunnen-Station, na Suíça, numa estação de faróis alpinos gerida pelo pai. A mãe, parisiense exilada naquelas alturas, aproveitava qualquer pretexto para apanhar o tubo ou um aerofolio de regresso a Paris — uma tarde de compras, um jantar com amigas, especulação na bolsa.
Estelle preparava-se para os exames de engenharia pela terceira vez. Estudava por fonógrafos, seguia cursos transmitidos por telephonoscope. Mas os regulamentos antiquados não permitiam fazer exames remotamente. Tinha de apresentar-se presencialmente. A timidez prejudicava-a.
Quando a tempestade cruzou as suas comunicações, Georges ofereceu-se para lhe enviar os apontamentos do pai. Começaram a falar regularmente. Ele ficou impressionado com a inteligência dela, com a graça dos seus gestos vistos no ecrã. Ela admirava-o sem se atrever a confessar.
Robida estava a descrever um relacionamento à distância mediado por tecnologia. Estava a imaginar como as pessoas se conheceriam, trabalhariam e amariam através de ecrãs. Cento e trinta anos antes do Tinder.
Elementos Visionários
Há aspectos na obra de Robida que impressionam pela precisão. Para além do telephonoscope, imaginou:
- Trabalho remoto: Estelle estudava em casa, seguindo cursos transmitidos de Zurique e Paris. Os examinadores podiam ver dezenas de estudantes simultaneamente através dos seus telephonoscopes.
- Comércio à distância: Madame Lacombe podia ver tecidos e roupas transmitidos pelas lojas parisienses, mas preferia — num traço psicológico arguto — deslocar-se pessoalmente. Robida percebeu que a tecnologia não elimina necessariamente o desejo do físico.
- Emancipação feminina: Apesar do conservadorismo da época, Robida imaginou mulheres engenheiras, com carreiras profissionais, educação superior. Estelle destinava-se a entrar na administração dos Faróis Alpinos, com salário garantido e progressão de carreira. Robida até menciona uniões de facto e coabitação sem casamento.
- Redes de infraestrutura: A sua compreensão de que o futuro dependeria de redes complexas — eléctricas, de comunicação, de transporte — era notável. Quando a tempestade danificava os fios, toda a sociedade entrava em colapso.
Elementos Falhados
Mas Robida também errou, de formas reveladoras.
A guerra, na sua imaginação, seria peculiar. Armas biológicas calibradas para poupar “os homens no auge da sua força e saúde” e visar apenas “os valetudinários, os fracos, os organismos enfermos”. Há aqui uma inocência quase cómica. Duas guerras mundiais — 1914–1918 e 1939–1945 — demonstrariam que a guerra moderna não discrimina por saúde.
As suas ilustrações mostram regimentos de soldados em bicicletas com lanças em riste, como falanges gregas. Infantaria com armaduras. Robida romantizava a guerra mesmo enquanto a projectava no futuro tecnológico.
E havia a electricidade medicinal. Robida, como muitos contemporâneos, acreditava que o “fluido eléctrico” tinha poderes terapêuticos quando aplicado ao corpo humano. Era uma crença generalizada na época, agora completamente desacreditada.
O Acerto Improvável
O que torna Robida fascinante não são os erros — qualquer futurólogo erra — mas os acertos improváveis.
Ele compreendeu que a comunicação visual remota transformaria as relações humanas. Que o ensino à distância seria viável. Que o comércio migraria para formatos remotos. Que as pessoas trabalhariam, estudariam e socializariam através de ecrãs.
Imaginou, numa altura em que o telefone tinha dezassete anos e a electricidade mal começava a iluminar as casas, um mundo inteiramente dependente de redes de comunicação visual instantânea.
Levou 130 anos. Mas aconteceu. Durante a pandemia de 2020, quando milhões de pessoas trabalharam remotamente, estudaram por videoconferência, namoraram através de ecrãs, vivemos no mundo de Robida.
A Fragilidade das Previsões
Há uma lição aqui sobre futurismo. Robida acertou nas tecnologias de comunicação, mas errou na guerra. Imaginou aviões voadores — acertou — mas desenhou-os com formas absurdas. Previu emancipação feminina, mas manteve paternalismos no tratamento.
Percebeu correctamente que a electricidade seria central — estava certo. Mas imaginou-a como força curativa — estava errado. Compreendeu que as redes de comunicação transformariam a sociedade — absolutamente certo. Mas imaginou que serviriam principalmente para entretenimento e comércio, não para manipulação política e desinformação em massa.
O futuro revela-se sempre mais complexo, mais contraditório, mais estranho do que qualquer previsão. Mas há algo comovente nas tentativas. Robida, com os seus telephonoscopes e aérocabs, tentou imaginar como os seus netos viveriam. Errou muito. Acertou nalgumas coisas fundamentais.
E Georges e Estelle, separados por montanhas, mas unidos por um ecrã, apaixonados através de uma tecnologia que ainda não existia — eles existem agora, aos milhões, nas nossas videochamadas e mensagens, nos nossos relacionamentos mediados por tecnologia.
Robida imaginou-os primeiro. Em 1893, quando o mundo ainda andava a pé e se iluminava a gás, ele viu o nosso futuro. Não todo. Mas o suficiente para nos fazer pensar: que estamos nós a falhar de ver no nosso próprio futuro? E que visionário, algures, está neste momento a imaginar correctamente o mundo dos nossos netos?







